CAPÍTULO 13 - 3 MESES SE PASSARAM...

A vida estava sendo generosa comigo, apesar de eu acreditar que não merecia.... Aquela longa estadia naquela ilha, além de me deixar mais moreninha, me fez reconhecer o quão vazia eu era e como eu merecia estar ali sofrendo por ter sido uma inútil a vida toda... Lakota e eu conversávamos muito, e ela me contava histórias incríveis e coisas sobre o que o seu povo acreditava... Falávamos sobre espíritos, sobre vida além da vida, e muitos outros fatos curiosos que me intrigavam bastante.


De fato, eu nunca havia parado pra pensar em Deus, em como e o que fazemos aqui... E no que acontece depois que morremos. Quero dizer, eu achava que tudo se acabava, mas agora tenho cá minhas dúvidas... Sei lá, se Deus é tão bom e tão generoso e justo, porque ele nos criaria, deixaria que vivêssemos, aprendêssemos coisas boas e ruins, nos apaixonássemos e criaríamos vínculos com outras pessoas, pra depois acabar tudo? Pra jogar tudo fora? Realmente, Lakota tinha razão quando dizia que há muito mais por trás daquilo que realmente achamos que é a verdade. Será que eu ter parado naquela ilha foi de propósito? Será que conhecer Rocal era necessário? Essas perguntas as vezes me assombravam e eu buscava qualquer jeito de tentar fazê-las desaparecer, nem que fosse por minutos...


Lakota estava me ajudando por demais. Ela arrumara meu cabelo, me ensinou a arte de fazer tintas com flores, ensinou-me a plantas meu próprio alimento e a ser uma ótima trabalhadora do lar como ela diz. Eu estava indo muito bem, já sabia fazer praticamente tudo sozinha, e ela gostava muito. Além do que, tinha coisas que eu fazia questão de fazer, para ela não se esforçar e nem se cansar muito. Os meses estavam se esvaindo por entre os dias e eu já não sentia mais tanta falta da cidade grande... Estava quase admitindo a mim mesma que começara a gostar da vida que estava tendo, mas ainda tinha muito o que aprender para confessar tal coisa, coisa que o ego e o orgulho ainda não me permitiam fazer.


A construção da casa estava quase no final, eu me sentia útil quase que o tempo todo, pois mesmo Tsuke não querendo, eu ajudei ele nas obras, e ele me ensinou a fazer meus próprios móveis, e eu ensinei a ele alguns moldes de móveis da cidade. Fizemos juntos um pequeno poço e uma privada com saída de água. Fiz tudo com muito carinho e amor, do jeitinho que eu gostaria que fosse, eu queria algo sofisticado, porém simples, delicado, nada que chamasse a atenção exageradamente, mas que fosse bonito e confortável.

Lakota ainda não estava com a barriguinha já à mostra, porém havia dado uma engordada, devido a alimentação que aumentava cada dia. Vivia falando do bebê, ela queria muito um menino, para orgulhar o pai. Tsuke sempre sonhou com um garoto, mas tiveram Telaka, e ele não ficou muito satisfeito, então ela faleceu, e ele não se importou muito, quem mais sofreu foi ela, com a perda da filha querida.


Naquela tarde, eu estava deitada na rede, contemplando o céu azul, me imaginando dali cinquenta anos, velhinha e infeliz, prestes a morrer numa ilha isolada do mundo.... Acho que pra eu ser feliz, eu teria que ter alguém especial do meu lado, como.... como.... Melhor não, melhor não ficar alimentando falsas esperanças... Até parece que eu voltaria a vê-lo outra vez... Ele deve estar lá, feliz, todo contente pimpão com suas esposas, com certeza levou elas para morar naquele quarto novo, e deve ter dado o vestido de onça pra elas usarem...

Por que raios minha mente insistia em pensar nele? Por que? Por que???

Eu não queria, mas algo em mim parece que insistia em trazê-lo à tona, dentro de mim, aquele sentimento não havia morrido, só estava adormecido, forçosamente...


Logo Tsuke interrompeu meus pensamentos, chamando-me para ver a casa.

_Claro, estou indo! – respondi levantando-me da rede.

A casa estava linda, em perfeitas condições, ele era um construtor e tanto...

_Ual! Ficou perfeita! Parabéns, você é muito bom! – elogiei-o feliz.

_Venha! Venha conhecer o interior da casa... – ele disse.


Entramos. Os móveis já estavam no lugar à espera de moi, e só faltava eu me mudar. Caminhamos pelos cômodos, e quando chegamos no quarto, eu fiquei maravilhada!

_Nossa! É tão lindo! – falei feliz demais, orgulhosa das minhas próprias criações, havia ficado tudo perfeito! Um pouco torto, mas pra primeira vez fazendo móveis, eu fui mais que bem!

_Realmente ficaram lindos – ele disse, chegando perto de mim, que observava os entalhes da cama – Não poderiam ter fica melhores....

_Ah.. er... Obrigada – falei meio sem jeito.

Ele estava atrás de mim, e notando que o clima estava meio diferente, virei-me para sair do quarto e ele me barrou.


_Espera, pra que sair agora? – ele disse num tom suave e estranho, tentando acariciar meu rosto.

_É... Já vimos tudo, não precisamos ficar aqui, não é? - falei me esquivando de sua mão.

_E... se eu quisesse que você ficasse mais?

_Não estou entendendo – falei, receosa...

_Não se faça de boba... – ele veio e encostou-me na parede – Eu sei o que você é, e sei o que você quer...

_Eu não sei do que esta falando!' – tentei-o empurrar para me dar passagem mas ele não se movia, constrangida, fiquei sem ação, esperando que ele me deixasse em paz.


_Hora, vamos! Você aparece de repente, vai morar na minha casa de graça, se alimenta da minha comida, usa as roupas que minha irmã faz, e agora não quer retribuir? – tentou tocar na minha cintura e eu logo o repreendi.

_Não me toque! Você!... Você vai ser pai! Não tem vergonha? E Lakota? Você não a ama? Tenha um pouco de decência! Eu não quero nada com você!


_Não minta, eu sei que você quer, vejo como olha para mim... Vive me rondando, me seduzindo com esse olhar tentador, e esse corpo maravilhoso... Lakota é minha irmã, estávamos sozinhos aqui há anos, ela e eu entramos num acordo de termos filhos para não acabar com nossa linhagem, mas agora que você apareceu, isso muda tudo.... Quero você!

_Chega! – falei em alto e bom tom – Não quero mais ouvir nada! Você é louco! Eu nunca vou querer nada com você! Nunca! Me deixe em paz!


Empurrei-o com toda a minha força e tentei correr, mas ele segurou meu braço e começou a apertar, e olhando irritado disse – Você pensa que é quem garota? Eu mando aqui! Eu faço o que quiser! E no momento eu quero você... – veio louco para me beijar, mas lhe dei um tapa na cara e no instante que ele se afastou levando a mão ao rosto eu saí correndo.

_Você ainda vai me querer, garota da cidade....

 

Saí desesperada de dentro da casa, não sabia se chorava ou se esbravejava contra aquela sandice... Não estava acreditando, Tsuke parecia ser um homem tão calmo, meigo, de repente se mostrou astuto e autoritário! Imagina se Lakota fica sabendo disso? Não sei o que seria pior... Mas e agora? Ele construiu minha casa, na certa vai querer me cobrar por isso, e as intenções dele não serão das mais apreciáveis...

_Que nojo! – exclamei comigo – Nunca mais quero passar por isso!


_Esta tudo bem querida? – disse Lakota, aparecendo de repente atrás de mim, me dando o maior susto...

_Nossa! Lakota... – quase gaguejei – é... Desculpe.. eu... Estou bem!

_Tem certeza? Você esta pálida! Andou chorando? Não minta para mim...

E agora? O que eu faço? Olho nos olhos dela e digo “Então, sabe como é, seu irmão, pai do seu futuro filho, tentou me assediar dentro da minha casa nova... Mas não houve nada, eu bati nele e fugi...” Ah tá bom! Não saberia nem como dizer isso, e ainda mais porque ela estava grávida, uma notícia dessas poderia prejudicar o bebê...

_Estou bem, me assustei com um esquilo que passou por ali... Levei o maior susto!... – menti.

_Ah... Sei... Esquilos?



_Sim! E era enorme! ... – Notei que ela também parecia meio pálida e abalada, com medo de que tivesse visto algo, então mudei de assunto - Mas me diga, e o bebê, esta tudo bem não é? Tudo nos conformes? Não quero que nada de ruim aconteça a esse pinguinho de gente.

_Esta tudo bem sim.... Bom, com sua licença, vou me deitar, minha costa esta me matando...

_Ah, sim, claro! Faça isso. Vai ser bom pra você descansar um pouco. Eu, vou.... Costurar um pouquinho lá no quarto ta.

_Certo. – então, Lakota deu uns passos, parou num breve momento de silêncio, virou-se e perguntou – Esta realmente tudo bem?

_Esta sim! – sorri falsamente, engolindo a seco.

_Então esta certo. Qualquer coisa, sabe onde me encontrar – Virou-se e foi para dentro da casa.


_Céus! Espero que isso nunca mais aconteça....

CAPÍTULO 12 - EM PÂNICO!

Rocal resolveu subir lá para falar com ela, pensou muito no que ia dizer, pensou por minutos, até que tomou coragem e subiu as escadas, mas chegando lá...


_Susana, queria falar com você e... Susana? Ué? Ela não esta aqui? Será que já desceu e eu nem vi?

Desceu de novo e foi olhar na casa, pode ser que ela estivesse nos fundos. Mas não estava, chegou lá e não a encontrou.... e nem em lugar algum da casa.

Quando entrou na saleta de costura, viu o vestido de pele de onça que ele havia feito com tanto carinho, jogado no chão de qualquer jeito todo amassado...

_Onde diabos ela se meteu? - exclamou curioso - Ah! Talvez deva ter ido na festa ontem e ficou lá até agora.... Não, eu me lembro de ter ido à festa, bebi todas, mas não a vi lá... Bom, ela pode ter ido à aldeia agora de manhã... Vou checar isso é agora!


Rocal foi até a aldeia, e  estava como de costume, silenciosa e vazia, foi entrando nas tendas chamando por ela, e nada...

Começou a ficar preocupado, e foi perguntando para todos que iam chegando se a tinham visto. Mas não obteve sucesso, ninguém viu sequer sua sombra por lá...

Então foi em busca da Shaman, ela sempre via tudo e sabia de tudo, se comunicava com o mundo espiritual e poderia dizer se Susana havia desaparecido ou pior... Se matado! Ela poderia muito bem ter se jogado no mar como da primeira vez em que ele a salvara.

(como eles vão falar na língua nativa, irei postar a conversa já traduzida pra não complicar... Hehehehe!)

_Shaman! Shaman! Preciso da sua ajuda! - entrou gritando em sua tenda.


_Silêncio! Eu sei o que você quer e não esta mais entre nós!

_O que??? Como??? Ela morreu??? Ah não! Eu sabia!!!! O que fui fazer?! - exclamava desesperado...

_Silêncio! Você sempre foi muito impaciente mas agora tem que mudar isso! Preste atenção! No mundo dos Espíritos ela não se encontra. Mas ela foi embora, partiu da aldeia para não mais voltar.

_Mas... Mas.... Vai se perder! Ela não podia ter feito uma bobagem dessas!


_SILÊÊÊÊNCIOOO! Meu filho... Aceitamos você quando chegou aqui puro e inocente, mas agora já é homem feito, e tem que ir atrás do seu querer. Se há alguém culpado pelo desaparecimento dela, você já deve saber quem é. Aprenda a medir as palavras e ao invés de julgar, diga a verdade sincera do seu coração. Só você conhece o seu interior e só você poderá mudá-lo para não fazer mais ninguém sofrer. Agora vá! É a sua hora de partir. Vá buscar aquela que levou consigo o seu coração.

Ele então compreendeu tudo. Agradeceu pela ajuda e tomou rumo para sua casa.

Chegando lá, ele desabou em remorso e culpa. Susana havia ido embora e a culpa era dele, tudo porque a ouviu falar que ia partir e ficou magoado. Ele sabia que era temperamental e muitas vezes rude, e agora sentia na pele o resultado de tanta ignorância.


_Eu não soube expressar o que sentia e agora ela pode estar morta! As chances de ela estar viva são as mesmas chances de eu virar um camelo! Não acredito que fui capaz de... De não dizer a ela que a amava desde a primeira vez que a vi.... Aquela patricinha não sabe nem atravessar o mar da minha casa até a beira da praia, quem dirá andar sozinha nessa ilha tão grande! Ai ai.... Aqueles olhos azuis, aquela expressão meiga e aquele sorriso delicado... Agora podem estar.... - ele entrava em pânico só de pensar que ela poderia estar morta - Tenho que encontrá-la!Vou levar dias, meses para andar nessa ilha enorme, mas não importa! Nem que seja para encontrar seu corpo - chorava só de imaginar a cena terrível - Ela merece um enterro digno... Oh Deus o que eu fui fazer!!!



_Tábua!
_Tábua ok!
_Faca!
_Faca ok!
_Sal!
_Sal ok!
_Alface!
_Agora põe na vasilha!

_Isso! Muito bem! Agora deixa ai para o peixe absorver o tempero. Nossa Susana! Você tem potencial para fazer as coisas! Se você continuar treinando, será uma ótima trabalhadora do lar!


_Obrigada! Finalmente aprendi a cortar isso! - rimos juntas - Foi fácil até... Se meu cabelo enorme não me atrapalhasse tanto....

_Se você quiser, depois eu posso cortar um pouco, pode melhorar! Mas olha! Você esta indo muito bem! Mais um pouco e você já pode casar! - brincou.

_Casar, eu? - adivinha onde meu pensamento foi parar? Lá na aldeia, em Rocal.... Fiz uma carinha de triste, e ela reparou...

_O que aconteceu naquela aldeia pra você ficar assim querida?

_Como? Como sabe que aconteceu algo lá?


_E se não fosse lá você teria ido embora?

Agora ela me pegou... Pensei em ser sincera e contei a verdade - Fui embora porque acho que me apaixonei... Mas deixa isso pra lá...

_Como assim? Você fugiu de um amor? Mas por quê?

_Sabe, as vezes o amor machuca muito.... Sofri pra aceitar que gostava dele, e quando finalmente pensei estarmos bem, ele me mandou embora de sua vida....

Lakota fez uma expressão de surpresa e espanto... Ficamos caladas por alguns instantes... Até que uma lágrima quis brotar dos meus olhos, mas a limpei de imediato.


_Mas esta tudo bem! - falei mudando o tom de voz e tentando ficar mais alegre - Prometi a mim mesma que não choraria mais por ele (mesmo sendo quase impossível). Agora eu estou começando uma vida nova e não quero mais lembrar disso. São águas passadas.

_Você faz muito bem pensando assim. A vida não para nem quando nos decepcionamos. Agora vamos deixar essa tristeza de lado e vamos voltar para o peixe! - sorriu.

Sorri e voltei a fazer o que estávamos fazendo. Mas meus pensamentos demoraram a deixar Rocal. Como será que ele estaria agora?



CAPÍTULO 11 - UMA BOA NOTÍCIA!

Amanheceu... Eu nunca havia dormido tão bem como dormi aquela noite. Despertei com o som de um galo cantando, me espreguicei e levantei. De frente para a cama tinha uma porta que dava para uma varanda, e ao lado da porta, uma cesta com algumas peças de roupa que Lakota havia separado para mim. Retirei aquela roupa quente demais e coloquei um vestido básico, estava realmente muito calor logo de manhã...


Desci a escada e passei pela cozinha e sala, e não tinha ninguém na casa. Ouvi vozes e fui até a cozinha, saindo pela porta, vi Lakota e Tsuke próximos de um cercado cheio de animais.

_Bom dia! - exclamei, olhando expantada para a quantidade de animais que eles tinham - Quantos bichinhos!!! Olha só! Até uma vaca tem aqui... E é grande! Parece muito saudável!

_Bom dia! - respondeu Lakota com um sorriso - Sim, a Nata nos alimenta muito com seu leite, ela contribui para nossa vida e nós cuidamos com carinho dela, é muito mimada por Tsuke - riu.

Também ri... Que nome mais engraçado pra se dar a uma vaca... Nata... Bom, chamei Lakota e perguntei a ela se já havia falado com Tsuke sobre fazer uma cabaninha para mim e ela respondeu - Sabe que até tinha me esquecido?! Foi bom você ter me lembrado, Tsuke! Vem aqui por favor?


Ele virou-se e caminhou até nós, então Lakota explicou - Preciso muito da sua ajuda meu bem, Susana não tem pra onde ir, e para ela não ficar morando para sempre aqui em casa, sugeri que você pudesse nos ajudar, construindo uma cabana para ela, ali na bancada da montanha... Será que dá?

Ele olhou para mim, ficou me observando, pensou um pouco e disse - Qual o problema de ela morar aqui?

_Tsuke! A menina precisa ter sua própria casa! Não vai ter um lugar para ela pra sempre aqui!

_Porque? Telaka morreu, você não deve ficar guardando o quarto dela pra sempre, como se ela fosse voltar, já disse!

_Não é por causa disso!


Eu ficava só observando, pensei em me meter mas achei melhor não, e continuei calada....

_Então é por que motivo?

Lakota fez uma cara de quem guarda um segredo e não quer contar antes da hora.... Pensou bem e respirou fundo, dizendo - É porque em breve essa casa terá mais um membro! Pronto falei..

_O que? Não entendi - ele falou curioso.

_Quer dizer que eu estou grávida! - exclamou ela toda orgulhosa.

Ele arregalou os olhos, abraçou-a e beijou-a, enquanto que eu já não estava entendendo mais nada... Ela estaria grávida do próprio irmão? Não Susana! Estaria grávida do vento! Era óbvio! Só os dois moravam ali.... Poxa vida, que doideira!


_Faz quanto tempo que você sabia disso? - ele perguntou.

_Um mês... Minhas regras não vieram, então eu logo percebi...

_O que estamos esperando? Vamos olhar a bancada pra ver se dá pra construir a casa! - exclamou ele todo feliz.

Caminhamos até  o morro e de lá dava pra ver a bancada da montanha. Era pequena, mas para uma pessoa só, dava muito bem.

_O que você acha? - perguntou Lakota para Tsuke.


_Acho que dá. Em uns três ou quatro meses fica tudo pronto, incluindo a mobília.

_Ótimo! E você Susana, gosta desse lugar?

Eu olhei bem, era bonito, ficava de frente para o mar, mas acho que não estava bom ali, não poderia ficar abusando deles e olhando um monte de lugares, mas fui sincera... - Eu não acho que eu vá conseguir descer e subir esse morro... Será que não teria outro lugar?

Olhamos em volta, e de repente eu avistei um lugar perfeito! - Ali! - apontei. Caminhamos até lá e eu disse - Aqui seria perfeito! É bonito, e não é um terreno ingreme. O que você acha Tsuke?

_É, acho que você sabe escolher terrenos! - falou - Aqui é bom. Então.. Vai ser aqui mesmo?



_Sim! Gostei muito daqui. É aqui mesmo! Agradeço pela ajuda de vocês! Obrigada Tsuke - sorri agradecida - Mas eu também quaro ajudar na construção! Quero ser útil!


_Você será útil Susana, útil à minha linda mamãe - Apontou para Lakota - Ela precisará de ajuda quando a barriga começar a impedir-lhe de fazer alguns serviços, você acha que é capaz?

_Espero que sim! - respondi contente - Eu nunca cuidei de ninguém, nem de casa, não sei fazer nada, então preciso começar a aprender já!

_Muito bom! - ela disse - Já começa bem quando tem vontade de aprender. Venha, sua primeira lição é fazer o  almoço, vou te ensinar tudo.


_Oba! Então vamos!!! - falei empolgadíssima. Caminhamos os três para casa, Lakota e eu fomos para a cozinha, enquanto Tsuke ia pegar seu machado para começar a buscar madeira para construir a casa e os móveis.

 

_Naquela manhã, Rocal acordou com uma tremenda dor de cabeça...

Bebera muito na noite anterior e estava sofrendo as reações de uma grande e dolorosa ressaca.

Levantou-se do chão, bebeu um pouco de água e lavou o rosto na pia da cozinha, deitou-se na cama de folhas e foi ai que lembrou-se do ocorrido...


_Malditas mulheres.... - resmungou - Não pode-se viver com elas, não pode-se viver sem elas.... Porque elas tem que ser tão complicadas?

Ficou ali deitado e fechou os olhos como quem quer tirar uma soneca e fugir da dor de cabeça... Mas não conseguia, sua consiência ficava a lhe cobrar pelas atitudes de ontem e isso o perturbava...

_Droga! - exclamou irritado - Será que não passei dos limites com ela?

Ficou deitado um pouco mais, lembrando do que havia dito à Susana.


_Acho que peguei pesado... Vou falar com ela... Ela deve estar no quarto, dormindo ainda... Será que eu vou lá agora e a acordo? Será que ela vai me ouvir? Depois de ontem, não sei não... Melhor esperar que ela acorde e desça aqui... Ela não vai poder ficar lá em cima para sempre, até porque o banheiro é aqui embaixo... Não.... Acho melhor ir falar com ela agora...Isso! Vou falar com ela agora mesmo!

 

CAPÍTULO 10 - UMA AMIGA SOLIDÁRIA.

_Aqui esta! - disse Lakota chegando com dois potes de sopa - Espero que goste! - sorriu.

No mesmo instante que ela colocou o pote ao meu lado, eu peguei-o vorazmente e bebi a sopa sem pensar duas vezes... Antes que ela pudesse gritar - Esta quente!!!!

Com toda aquela fome eu nem me importava, ia dando várias sopradinhas e mandando tudo pra dentro. Estava tão gostosa! Acho que devia ser sopa de galinha! Fazia tanto tempo que eu não comia algo assim tão bom, que quase flutuei com aquele sabor maravilhoso!


Depois que terminei a sopa, coloquei o pote em cima da mesinha e agora feliz e corada, muito bem alimentada, agradeci com um sorriso e elogios - Meu Deus! Muito obrigada por essa refeição, Lakota, você é minha salvadora! Que sopa mais deliciosa!!! Se eu não tivesse encontrado vocês, acho que teria morrido de fome... Eu definitivamente não sei cozinha nadinha... Que delícia!!! A tempos não sinto um sabor tão bom, muito diferente daquelas raízes nojentas que Rocal me dava...

_Hora, que é isso! Imagina! - disse ela feliz com o elogio - Quem é Rocal?

_Ah... Ninguém importante... Não mais.... - falei meio cabisbaixa. Percebendo que eu estava voltando a ficar triste, logo mudei de assunto - Agradeço mais uma vez por permitir que eu fique aqui hoje. Seu irmão não vai brigar?

_Que isso, meu irmão não briga não, ele é muito calmo. Não se importa com as visitas. Mas me diga meu bem, de onde você veio? Você não é daqui, é?


_Não, não, eu vim de longe, da cidade grande. Estava dando uma festa num navio quando caí na água e acordei na aldeia. Já deve ter se passado semanas, talvez meses, estou um pouco perdida no tempo... Aqui não tem relógio! Bem, tem um relógio de pedra mas eu não sabia ver as horas nele... Desde então nunca mais saí da aldeia, fiquei numa cabana de um... Amigo....

_Sinto muito. Se pudessemos, ajudaríamos você a voltar, mas não há como fazer isso, nós nunca mais saímos daqui, já perdemos a noção de que direção tomaríamos para voltar.

_Tudo bem... Já estou conformada... Antes eu berrava e batia o pé querendo tudo na hora, mas aprendi que não é assim... Aprendi e compreendi que não vou mais sair daqui... Não viva, pelo menos.

Ela me olhou meio tristinha e falou - Tenha fé querida, a fé move montanhas! - e dando uma pausa, perguntou - Então você não tem para onde ir, não é?

_Não tenho. Não faço ideia do que vou fazer de agora em diante. Antes dependia totalmente desse amigo, agora... Estou sozinha...

 

_Uma moça como você não duraria em algumas partes dessa ilha - disse Lakota séria - Você tem que tomar cuidado, sabia? Onde já se viu ficar andando a noite, ainda bem que você nos encontrou, imagine se tivesse encontrado os Tiki Tiki? Cruzes! Seria terrível!

Arregalei um olhão surpresa e falei - Sério? nossa, mas porque? Quem são esses ai? São perigosos?

_Mas é claro! São canibais!!!

Arrepiei todinha só de pensar! Credo!!! Jesus, Ave Maria!

_Depois eu te mostro algumas tribos, daqui de cima da pra ver bem quase todas. Bom, menos a tribo dos Chequedah, eles vivem no subsolo, saem a noite pra caçar e dormen de dia, você teve muita sorte garota! - falou Lakota, muito surpresa e feliz por eu estar bem.


_Realmente, você falando assim, acho que tive sorte mesmo! Prometo que não vou me aventurar pela selva novamente, apesar de que vou ter que achar um lugar pra ficar....

_Não se preocupe, você pode ficar aqui o tempo que quiser, vou falar com Tsuke pra construir uma cabana pra você aqui no topo, ai seremos vizinhas e você não estara sozinha, e nem em perigo.

_Poxa, muito obrigada mesmo!!!! Nem acredito que encontrei uma pessoa tão boa e gentil como você! Obrigada! Obrigada!!!

_Imagina querida, eu gosto de ajudar. - sorriu.

_Mas me diga, não tem perigo dessas tribos do mau virem até o topo da ilha? - perguntei curiosa e com medo.


_Não! Ninguém vem aqui, todos acham que minha família meche com mágia negra e bruxaria, coisas do tipo, todos tem medo de nós.

_Poxa, acho que isso é até bom! - sorri - Deixa eles continuarem a pensar assim - brinquei. Dei uma bocejada e uma espreguiçada, o sono estava chegando, então Lakota se ofereceu para me levar até o quarto.

_Aqui - disse ela, depois de subirmos a escada e entrarmos num quarto ao lado do dela - Pode ficar neste quarto.

_Mas aqui não é o quarto do seu irmão?

_Não, meu irmão dorme comigo. Aqui é o quarto da nossa filha Telaka.

_Filha??? - espantei - Mas não vi nenhuma criança aqui, onde ela esta?

_Lá fora, no jardim.


_Eu não vi nenhuma criança lá quando eu cheguei. - fiz uma cara de confusa e meio sem graça.

_Vem comigo... - disse, então saímos do quarto, descemos a escada e fomos lá fora perto de uma árvore seca e assustadora...

_Essa é Telaka. - falou apontando para o chão.

Pasmei... Fiquei muito surpresa! - Céus! Sua filha esta....?

_Morta?... Sim... Morreu já faz um ano e sete meses. Câncer. Não pudemos fazer nada...

_Nossa! Eu não sabia... - exclamei - Me perdoe, eu sinto muito....


_Não sinta - sorriu meiga - Ela esta bem agora. Não sofre mais. E eu a vejo sempre, mantemos contato.

_Como????

_Em meus sonhos - sorriu feliz, como se recorda-se do passado da filha quando viva. - Vamos entrar? Já já amanhece e a rotina aqui começa cedo.

_Ah, claro! Vamos... - E voltamos para o quarto. Ela deixou algumas peças de roupa para eu utilizar durante o dia que era quente, e deixou aquela roupa enorme e quentinha para a noite. Até que eu me acostumasse com o clima.

_Espero que durma bem! - disse - Você deve estar muito cansada depois de andar tanto até aqui. A aldeia dos Shibauba é muito longe!


_Ah, obrigada... Acho que quando eu deitar nessa cama vou apagar e acordar só amanhã! - rimos - Estou tão cansada, e agora graças a você, bem alimentada e com um teto para dormir bem! Não sei como agradecer!!! De verdade!

_Hora! Esta tudo bem! Não precisa agradecer, faço o que gostaria que fizessem a mim se eu estivesse na mesma situação! Agora descanse. Boa noite.

_Boa noite! - falei sorrindo.

Lakota saiu do quarto, e eu deitei na cama e fiquei a pensar em tudo que estava acontecendo. De fato eu estava tendo uma nova chance de mostrar o meu valor, o único problema é que eu não sabia quais valores eu tinha... Era como se eu estivesse tentando renascer, aprender a fazer coisas boas das quais eu nunca havia feito minha vida toda. Seria bom ficar ali e aprender algumas coisas importantes, Lakota parecia ser meiga e doce, uma mulher gentil e firme. Amanhã vou pedir a ela que me ensine tudo, não quero mais depender de ninguém aqui, e como eu tenho que ver a realidade, devo aprender a me virar, pois vejo que nunca mais sairei daqui...


E já que é assim, melhor que eu aprenda a viver nesse tipo de vida. Nem eu aguento mais ficar lamentando e chorando para voltar. A quem eu estou querendo enganar? Sentia a tristeza de ficar aqui para sempre, lá no meu íntimo... Mas fazer o que? Deus já me mostrou mais de uma vez que nem tudo é como eu quero... E se Ele ainda estiver olhando para mim e se importando comigo, quero mostrar que não sou fraca e que posso mudar. Quero que Ele ao menos tenha orgulho de uma filha que esta descobrindo os valores bons da vida só agora....

 

CAPÍTULO 9 - MAIS NATIVOS?

Eu estava exausta... E encardida.... Meu pobre vestido azul estava de novo sujo... Muito sujo! Mas também poxa vida! Andar uma noite inteira no meio da selva não é mole não!!! É mato grudando no cabelo, galho de árvore enroscando no vestido e galhos no chão pra tropeçar e cair... Perdi a conta de quantas vezes caí no chão...


_Huuum, que cheirinho bom!!!! - exclamei ao sentir um perfume delicioso de comida!!! No mesmo instante, comecei a seguir aquele cheiro, ou o cheiro parecia ficar mais forte, ou era porque minha fome estava tão grande que eu começara a farejar comida a quilômetros de distância...

Correndo feito louca, cheguei numa parte sem saída. Era a beira da praia e frente ela havia uma ilha, a alguns instantes de água... E agora? Vou ou não vou? E meu medo? Ah, quer saber? Que se dane o medo, eu estava com fome demais pra pensar nisso.... Me joguei na água, e pra minha sorte (ou burrice) caí de cara na areia, a água era rasa, e a ilha à minha frente era ligada a que eu estava, não demorou nada pra atravessar e num instante eu já estava pisando na outra ilha.


_Huuumm esse cheiro parece estar mais forte!!! - Olhei pra cima e no topo da ilha tinha fumaça!

Pessoas de cabeça boa pensariam duas vezes antes de subir a montanha, pois poderia ser um vulcão dando sinais de que estaria prestes a entrar em erupção... Mas eu? Eu não tinha cabeça boa não! Saí feito uma maluca subindo a montanha e imaginando que tipo de comida teria lá em cima....

Quanto mais eu me aproximava do topo mais frio começava a sentir... Ali parecia que era bastante frio e ventava muito.... Chegando no topo, depois de um pouco de sacrifício, eu estava tremendo de frio, batendo o queixo, e ao olhar para mais a frente, vi uma coisa curiosa.... Uma casa!


_Então é daqui que vinha o cheiro bom! Mas não era fumaça... Era neblina! Aqui esta tão frio!!!... Poxa alguém mora aqui e devem estar fazendo a janta.... Eu nem sei se me atrevo a bater palma lá.... Será? - pensei comigo, um tanto receosa do que poderia ter lá - Que tipo de nativos moram ai?


Comecei a ficar curiosa, e a fome não me dava trégua, minha barriga estava quase me comendo de tanto roncar! Tomei coragem e fui devagar na intenção de chamar pelos donos da casa.

_Olá? Ô de casa!!!! Tem alguém ai? - gritei perto da casa mas não na porta...

Esperei uns instantes e de repente surge uma mulher muito bem arrumada e um homem também bem arrumado... Ficaram me olhando com um ar de surpresos, mas sem darem uma palavra...


_Oi! Me desculpem se atrapalho! - falei tremendo de frio - Mas será que vocês não poderiam me dar um pouco de comida? Estou morrendo de fome!!!!

A mulher sorriu meiga e disse - Meu bem, venha comigo! Você esta tremendo, vai pegar um resfriado!!! Venha, venha!

Fiquei surpresa por saberem a minha língua, mas nem tanto, se os nativos lá da aldeia sabiam, imagina esses que aparentavam serem diferentes deles, mais cultos....

Segui a mulher, e entrando na casa, fiquei boba! - Céus!!! - exclamei mega surpresa! - Mas que casa divina!!! Não posso acreditar que existe um lugar como esse no meio do nada!


_Você vai se surpreender com as coisas que pode encontrar por aqui - disse o homem sem dar muita atenção ao meu espanto.

A mulher me guiou até o que parecia ser seu quarto, num andar superior. Fuçou nuns pedaços de pano bem grandes e pediu para eu tirar o meu vestido sujo.

Assim que o fiz, ela me enrolou naqueles panos e eu fiquei parecendo uma gueixa com aqueles vestidos orientais...

_Muito obrigada!!!! - agradeci sincera - Não sei como posso lhe agradecer!!! Por favor me perdoe se eu cheguei em má hora, não quero atrapalhar você e seu marido - falei meio sem graça.


_Imagina! Não é incômodo nenhum! Meu irmão não se importa com visitas. Gosto muito quando recebo visitas, e olha que não são muitas - sorriu.

_Que tecido é esse? Tão fofinho!!!! - perguntei acariciando meu rosto com aquele pano gostosinho.

_É lá de carneiro. Temos alguns no nosso cercado. Fazemos roupas e cobertas com ele.

_Caramba que incrível! Eu não fazia ideia de que tinha uma casa aqui, pensei que tinha comida, mas não pensei em como a encontraria... Com a fome que estou, acho que comeria até um cavalo.... - sorri.

Ela riu, e com um gesto meigo disse - Meu nome é Lakota. E o seu meu bem?

_Susana. Muito prazer! Sem querer ofender, mas como sabe meu idioma? - perguntei curiosa.


_Somos de uma família africana, de uma região da africa onde a população fala português... Guiné-Bissau, já ouviu falar?

_Não.. Desculpe - falei sem jeito - Foram vocês que ensinaram os nativos a falar português?

_Não eu, mas meu pai. Viemos para cá faz tempo, eu era uma adolescente. Ele era fanático por indígenas e povos inexplorados. Encontramos esse lugar magnífico e nos instalamos por aqui. Ele ensinou muitos povos aqui, mas depois que foi embora para o outro mundo, não sei se eles continuaram a praticar...

_Sim, eles sabem algumas coisas... - falei - Estive lá, são meio.... Estranhos, principalmente aquela Shaman. Não gostei de ficar lá... Então fui embora. Sabe, eles não.... Me agradavam muito. - Percebi que comecei a ficar triste e logo falei - Mas as mulheres de lá são enormes!!! Parecem homens se saia, são fortes e bravas!


Ela riu e falou - Você deve estar falando da tribo dos Shibauba, são os únicos que tem Shaman. Eles são amigáveis, mas não são muito confiáveis. Os homens de lá são muito autoritários e gostam de ter mais de uma esposa. Quando enjoam de uma, dão qualquer desculpa e as mandam embora. Já a mulheres, essas dependem dos homens para engravidar, e se aparece uma estrangeira, ficam hostis e podem até chegar a enganar as que acabam falando com algum homem delas.

Agora eu entendia porque aquela louca foi tão rude comigo quando cheguei lá.... E também compreendo porque Rocal me tratou daquela maneira... Realmente, ele não era confiável... Devia ter uma esposa e eu era a próxima! Ai que tristeza! Como ele pôde... Cada vez que pensava nele meu coração ficava apertado e triste, então mudei de assunto - Será que, poderia comer algo? - Ela sorriu e pediu para que eu fosse com ela até a cozinha.


_Nossa! Quando passamos por aqui não reparei em como vocês são modernos perto daqueles nativos! Meu Deus olha só esse fogão! Quem entalhou essas gravuras?

_Meu pai. Ele era engenheiro e tinha muitas habilidades que levou consigo. Mas algumas ele ensinou aos nativos, você deve ter visto lá alguma cabana deles? Fogão de pedra, pias com mangueira de folhas enroladas, e cama de folhas, essas coisas. Meu pai tentou ensinar mais, mas chegou um dia que a Shaman expulsou ele da aldeia, disse que ele estava sujando a cultura deles, alguma coisa assim...

_Nossa que tenso...

_Vá, sente-se na sala, eu irei levar um pouco da minha sopa pra você. Um caldeirão esta bom para o tamanho da sua fome? - brincou - Pode passar a noite aqui se quiser. - Disse ela, e eu  aceitei e agradeci.


Sorri e rimos juntas. Caminhei até a sala e ali fiquei aguardando a tão esperada sopa cheirosa. Estava feliz porque encontrei alguém gentil e amigável. Mas por outro lado, meu coração clamava por Rocal, a ausência dele me matava aos pouquinhos. Mas agora já era... Ele nem deve estar sentindo minha falta, e como ele mesmo pediu para eu sumir da vida dele, deve estar saltitante e feliz... 

Espero que Lakota possa me ajudar a voltar pra casa.... Tomara.... Assim esse pesadelo acaba e esqueço ele de vez....